A palavra virtude vem do latim virtus, que significa “força moral, valor, coragem, excelência”. No grego do Novo Testamento, a palavra usada é areté, que carrega o sentido de “caráter elevado”, “aquilo que expressa o melhor de alguém”. Ela aparece diversas vezes no Novo Testamento — em textos como 2 Pedro 1.5, Filipenses 4.8 e 1 Pedro 2.9 — sempre associada à conduta, à essência e à nobreza espiritual que devem caracterizar o povo de Deus. As virtudes, portanto, não são apenas qualidades éticas; são manifestações visíveis de uma natureza transformada pelo Espírito Santo.
Quando observamos a Igreja Primitiva, vemos um retrato vivo das virtudes que sustentaram o crescimento do cristianismo em meio à perseguição, pobreza e desafios culturais. A igreja dos primeiros dias não era perfeita, mas era pura em propósito. Ela vivia a fé de maneira prática, coletiva e coerente. E é exatamente isso que o Espírito Santo continua procurando em nós hoje: não apenas templos cheios, mas corações cheios das mesmas virtudes que incendiaram o mundo no primeiro século.
Em Atos dos Apóstolos 2.42-47, encontramos o registro de uma comunidade que se tornara uma verdadeira família espiritual. Eles perseveravam juntos na doutrina dos apóstolos, partiam o pão com alegria, oravam em unidade e compartilhavam o que tinham, de modo que não havia necessitados entre eles. Havia sinceridade, comunhão e temor. Não havia disputa de posições nem vaidade ministerial; havia serviço, entrega e amor.
Essa unidade era fruto da obediência. Atos 1.4 e 2.1 mostram que todos esperavam juntos a promessa do Pai. Eles não buscavam cada um seu próprio caminho, mas esperavam a direção do Espírito. E quando o Espírito veio, todos foram cheios do mesmo poder, porque todos estavam unidos sob o mesmo propósito. Hoje, muitas igrejas buscam crescimento, mas poucas buscam essa unidade — e talvez seja exatamente por isso que crescem em número, mas enfraquecem em essência.
Outro traço marcante da Igreja Primitiva era sua comunhão prática. Eles não se reuniam apenas aos domingos, mas viviam o evangelho no cotidiano. Suas casas eram extensões do templo. Ali partiam o pão, cuidavam uns dos outros, fortaleciam a fé e testemunhavam o amor de Cristo. Essa comunhão verdadeira produzia o que nenhum marketing religioso é capaz de gerar: a simpatia do povo e a ação constante de Deus acrescentando novos salvos todos os dias.
A autoridade apostólica também era uma virtude que trazia equilíbrio e direção. Em Atos 6.2-4, vemos os apóstolos delegando funções para que o ministério da Palavra e da oração não fosse negligenciado. Havia clareza de papéis e respeito às lideranças. Isso impedia que a igreja se transformasse em uma reunião de vontades humanas. Eles viviam sob cobertura espiritual, e é justamente isso que falta em muitos ambientes eclesiásticos hoje: obediência à liderança e humildade para servir sob autoridade.
Outro aspecto admirável era o envolvimento de todos os membros. 1 Coríntios 14.26 revela que cada irmão participava do culto com salmos, ensinamentos e revelações. Ninguém era espectador; todos eram cooperadores. A igreja era um corpo vivo, onde cada parte tinha função e valor. Esse modelo contrasta com a cultura atual, em que muitos cristãos se tornam apenas ouvintes e poucos se dispõem a servir.
Além disso, havia uma paixão inegociável pela missão. Atos 8.4 relata que, mesmo dispersos pela perseguição, eles continuavam pregando por onde passavam. Filipe, por exemplo, foi transladado sobrenaturalmente para pregar a um único homem — o eunuco etíope — mostrando que o evangelho vale o esforço por uma alma. Hoje, muitos templos estão cheios, mas o campo missionário está vazio. A diferença entre a igreja do primeiro século e a de hoje não está nos recursos, mas nas prioridades.
Em Atos 15, o concílio apostólico em Jerusalém demonstra outro traço essencial: o discernimento coletivo. Quando surgiram divergências doutrinárias, os líderes se reuniram, ouviram, ponderaram e decidiram sob a orientação do Espírito Santo. A igreja não era governada por egos, mas guiada pela voz de Deus. E é disso que o Corpo de Cristo ainda precisa: líderes que conversem, que ouçam uns aos outros e que submetam suas decisões à vontade divina.
Quando a igreja moderna redescobrir essas virtudes — unidade, comunhão, autoridade espiritual, serviço participativo, paixão missionária e discernimento — voltará a experimentar o mesmo poder que transformou o mundo. Porque o Espírito Santo não mudou, mas as prioridades humanas sim.
O desafio que se impõe é simples e profundo: nossas igrejas estão vivendo as mesmas virtudes da Igreja Primitiva?
Se não estão, precisamos voltar à essência. O mesmo fogo que começou no cenáculo quer incendiar o nosso tempo. As virtudes que sustentaram o primeiro avivamento ainda são o fundamento para o último.
Que cada líder, cada ministério e cada comunidade possa refletir:
Estamos apenas reunidos, ou realmente unidos?
Temos templos cheios, ou corações transformados?
Estamos pregando o evangelho, ou apenas administrando uma instituição?
A Igreja Primitiva nos lembra que o Reino de Deus não começou com estrutura, mas com essência. E toda igreja que deseja permanecer relevante neste tempo precisa resgatar o mesmo DNA espiritual: virtude, fé e poder.
Dr. Ap. Mário Alberto Nuntius
Coordenador Acadêmico da UCLA – Universidade Cristã de Liderança Avançada
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