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Sabado, 17 de Maio de 2025
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Ecologia Bíblica

Parte 1

Sérgio Mendes
Por Sérgio Mendes
Ecologia Bíblica
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Os livros da Bíblia Sagrada, conforme a tradição judaico-cristã, oferece subsídios para estudar a relação entre a humanidade e a criação. Encontra-se aí uma base para avaliar a retórica ecológica bíblica em todas as suas dimensões. Em primeiro lugar, por causa de sua relação e dependência da criação, no plano bíblico, diga-se de passagem. Em segundo lugar, por causa de sua relação e dependência de Deus, ambas questões presentes em toda sociedade no debate contemporâneo. No início da Igreja Cristã, ensinava-se a doutrina da criação como um ato livre de Deus, uma doutrina que foi bem aceita no princípio do cristianismo, porém naquela época os estudiosos ainda compreendiam a questão da criação narrada na Bíblia de forma estritamente literal, sem avanço interpretativo.

Em tempos Santo Agostinho, já se compreendia que a ideia da criação no período restrito a sete dias foi simplesmente introduzida para auxiliar a inteligência limitada do homem, na distante Antiguidade pré-histórica quando ainda era muito pequeno o número de pessoas instruídas e letradas, e o acesso a escrita também era muito difícil, pois chegava-se a acreditar que o mundo havia sido criado num momento de tempo junto com o próprio tempo, sendo possivelmente necessário concebê-los as noções de tempo do mundo como muito diferentes da maneira como os concebemos nos dias atuais. Conforme observa o biblista Von Rad, a narrativa sacerdotal da criação quer transmitir, não apenas conhecimentos teológicos, mas também, conhecimentos naturais. É uma das razões pelas quais os textos sobre a criação fornecem subsídios para apresentar possibilidades de uma interpretação ecológica nas trilhas literárias bíblicas.

ECOLOGIA NO LIVRO DE GÊNESIS

Como ponto de partida, a exegese e a hermenêutica elaboram um caminho para a compreensão sobre a dominação humana: Deus ordenou ao homem e à mulher, no momento da criação, que “submetessem” a terra e “dominassem” os seres vivos (Gn 1,28; Sl 8,6-8). O papel da humanidade é único na criação, assim como a criação de homem e mulher à imagem de Deus é única (Gn 1,26-27; 9,6), o que os habilita a representar a Deus no plano terrestre para reinar absolutos sobre as coisas criadas. Mas a Bíblia não diz, de modo algum, que toda a criação existe para ser explorada de forma desregrada e insustentável, a pondo de estar correndo risco do seu extermínio, através dos hábitos sociais consumistas da humanidade. A mesma ideia encontra-se nas leis que limitam a exploração da terra (Ex 33, 11; Lv 25, 2-7), e no ensinamento de Jesus (Mt 6, 25s).

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A relação da humanidade com a natureza, observada na narrativa bíblica da criação apresenta a superação de tensões e oferece caminhos para um viver harmonizado com Deus, com o outro e com a natureza. Com o ato de criar, Deus permanece junto à sua criação, sustentando e se relacionando com toda a obra criada. Sendo assim, a criação está toda interligada, numa relação de interdependência, Deus-Terra-Humanidade. Os teólogos referem-se à responsabilidade do homem para com a criação, observada nos relatos da criação, em Gênesis 1 e 2, com os quais se fundamentam e explicam as razões bíblico-teológicas pelas quais o mundo tem passado por tantos problemas ambientais.

Ao contrário dos grupos de críticos ambientalistas que apontam, a responsabilidade da narrativa do Gênesis como justificadora das ações humanas de dominação, e geradora dos efeitos destrutivos, sobre a natureza. Deus entregou o domínio da natureza ao homem, mas isso não quer dizer que ela pertença ao homem, uma vez que pertence a Deus, cabendo ao homem sua utilização responsável e a compreensão dos limites de sua responsabilidade. O importante é destacar o lugar adequado dos seres humanos dentro de toda a casa da criação.

Os seres humanos estão certamente acima das outras criaturas, mas são também criaturas que partilham a terra com todos os outros seres que Deus criou. É assim que, depois do dilúvio, Deus faz aliança com os homens e com todos os animais (Gn 9,8-17). Segundo o autor do Sl 104, o homem é somente uma entre tantas das criaturas viventes de que Deus tem cuidado; a terra é o hábitat dos seres viventes e Deus dá a cada um seu lugar. A criação é o fruto da atividade intencional da parte de Deus, conforme é narrado pelo livro do Gênesis capítulo 1 e 2. Toda a criação é boa, portanto cada criatura tem seu lugar neste mundo com dignidade própria, porém os seres humanos ocupam um lugar único entre as criaturas. Foram feitos à imagem e semelhança de Deus, portanto, receberam a ordem de “dominar” e “subjugar” a terra, e para isso os seres humanos são dotados de capacidade de tomar decisões que podem afetar positiva ou negativamente a Terra e seus moradores e ecossistemas. A Terra é o lar de todos, ela gera a sustentação das espécies, inclusive dos seres humanos.

Deus confia aos homens a missão de sermos zeladores da Terra, com a responsabilidade de exercerem este zelo de forma sábia, de maneira que extraiam para seu sustento, porém sem colocar em risco o equilíbrio da criação. O estudo bíblico deve evitar as justificativas do pensamento de sistema, tendência utilitarista sobre a obra da criação. A releitura do primeiro capítulo de Gênesis, à luz da ética fundada em princípios ecológicos, permite uma exegese e uma hermenêutica não de forma antropocêntrica, teocêntrica ou egocêntrica, mas sim ecocêntrica, isto é, tomando a casa comum como ponto de partida e referencial nesta leitura.

No texto em hebraico, a expressão “sujeitar a terra”, observa o verbo “kabash” e para dizer “dominar as criaturas” o verbo “radah”. Esses verbos, sempre que são empregados no Antigo Testamento, significam “submeter, subjugar, dominar.” Outra analise exegética do teólogo Lopes Júnior , no Novo Testamento, esclarece que no evangelho de João, é mostrado claramente o sentido que Jesus dava às palavras hebraicas “kabash e radah”, “submeter, subjugar e dominar” e que isto pode ser exemplificado no texto de João 13, quando Jesus, depois de lavar os pés de seus discípulos, lhes diz: “Vocês me chamam de Mestre e Senhor, e dizem bem, porque eu o sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, lavei os pés de vocês, de igual forma vocês também devem lavar os pés uns dos outros.” Para Jesus, segundo Lopes Júnior, os termos verbais hebraicos “kabash” e radah”, traduzidos para língua portuguesa, significa respectivamente “submeter, subjugar” e “dominar” estão estreitamente relacionados ao cuidado com o outro e com a humanidade.

Deus deu ao homem domínio sobre a terra e este domínio é corporativo, delegado, responsável e genérico, ou seja, inerentes ao homem e à mulher. Somente os dois juntos realizam a primeira ordenança de Deus, e nenhum dos dois, sozinho, é capaz de realizá-la. A ordem de domínio dada por Deus em Gênesis 1, 28 precede a queda do homem. A partir deste momento, o homem perde a capacidade de cumprir a ordem de Deus e o caos volta a ser estabelecido no mundo.

A análise dos capítulos 1 e 2 do livro de Gênesis, no caso, tema da narrativa bíblica da criação, realizada sob a perspectiva da ética ecológica é apresentada para que a humanidade glorifique a Deus pela criação, uma vez que, a sua soberania atribuída ao homem sobre a criação manifesta-se através dos atos de reelaborar e de designar cada elemento criado.

Sobre a questão do mandato cultural atribuído em Gênesis 1, 26-28, conforme o biblista Stott, pode ser subdividido em três características; a primeira é sobre a nossa relação com Deus, a segunda é sobre a nossa relação uns com os outros, e a terceira é sobre a nossa relação com a terra e suas criaturas. A negligência com relação ao mandato cultural tem feito com que a terra seja entregue nas mãos daqueles que não têm nenhum temor a Deus, nenhum respeito para com o próximo, e nenhum cuidado com a nossa casa, que é este planeta e sua maravilhosa natureza. Entretanto, o ser humano faz parte da criação e é dependente dela em tudo e para tudo. O ser humano vive imerso num contexto de interdependência com a criação. Desde o princípio, nossa sorte está ligada ao solo e, por sua vez, a sorte do solo está associada a nossas atitudes para com seus elementos vitais.

Mesmo que não haja consenso por parte de teólogos com relação a maneira de fazer a leitura e da interpretação ecocêntrica da narrativa bíblica de Gênesis 1, 28 e Gênesis 2, 15, todos concordam em que Deus delegou ao homem responsabilidades morais e éticas para lavrar e guardar o planeta como um patrimônio para esta e para as futuras gerações. Apesar de o livro de Gênesis ter contribuído com a maior parte da exegese bíblica sobre a ética relativa à criação do mundo e sobre a responsabilidade humana e os seus cuidados para com o patrimônio natural, ambiental, outros textos bíblicos, entre os quais se incluem as narrativas deuteronomistas, os livros de profecias, os poéticos. Também os evangelhos podem ajudar enriquecendo a base para a construção do discurso ecológico em associação com os princípios da ecologia.

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Sérgio Mendes

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